Dia do Pecuarista: conheça a realidade das mulheres do setor no Brasil

15/07/2023

Dia do Pecuarista: conheça a realidade das mulheres do setor no Brasil

Nos últimos 40 anos a produção agropecuária brasileira se desenvolveu e continua se desenvolvendo de tal forma que o País tem todo o potencial para ser o grande fornecedor de alimentos do futuro! 

E, em se tratando da pecuária, nossa produção já conta com produtores conscientes das suas responsabilidades com a sustentabilidade, sanidade e bem-estar animal e com a garantia de alimentar e movimentar o Brasil. 

Para se ter uma ideia, em 2020, a soma de bens e serviços gerados no agronegócio chegou a R$ 1,98 trilhão – 27% do PIB brasileiro. E, dentre os segmentos do setor, a pecuária correspondeu a R$ 602,3 bilhões. 

Além do crescimento em números, cresce também a quantidade de mulheres à frente dos negócios dentro da porteira, seja como pecuaristas ou por meio da prestação de serviços, como especialistas em inseminação de gado, zootecnistas, veterinárias, microbiologistas, entre outras atividades. E, aproveitando o Dia do Pecuarista, conheça três histórias inspiradoras de mulheres que lideram e fomentam o setor todos os dias. 

Começamos com a Maria de Lourdes Toledo, produtora na fazenda Água Fria, no sul do estado de Tocantins, na cidade de Araguaçu. 

Vinda de uma família de produtores, Maria começou, junto as duas irmãs, a gerenciar os negócios em 1994, após o diagnóstico de Alzheimer do pai. Devido a sua formação em Economia, no início, ficou responsável pelas questões financeiras e administrativas da propriedade – e, ‘de cara’, já enfrentou os primeiros desafios de ser uma mulher na liderança. 

“Logo no primeiro momento, os colaboradores da época, todos homens, já disseram que não iam receber ordens de mulher. Naquele período, meu marido precisou ficar mais à frente e disse que, quem não aceitasse, poderia pedir as contas, porque as proprietárias eram três mulheres”, relembra. 

Após alguns meses de adaptação e ‘pisando em ovos’ diante das situações que aconteciam no dia a dia, a pecuarista foi, aos poucos, trocando o quadro de funcionários. “Com o tempo, fomos formando uma nova equipe, com pessoas que já tinham uma aceitação maior daquela realidade”. 

Diante dessas experiências e, posteriormente, se tornando a única proprietária, Maria conta como foi passando por esses desafios e aproveita para aconselhar as mulheres mais jovens que já atuam ou pretendem atuar no agronegócio. 

“Você precisa ter certeza do que fala, porque quando você pede alguma coisa, precisa não somente passar segurança para as pessoas, mas também se sentir segura consigo mesma, confiante no seu conhecimento, no seu trabalho. Com tudo isso, você passa a ter espaço para cobrar e passa a ter melhores trocas, melhores retornos”.  

Curiosamente, Cynthia tem uma história bem parecida com Maria de Lourdes: assumindo uma propriedade sempre gerida por homens, enfrentou muitas dificuldades ao ocupar a liderança. “Os funcionários não queriam aceitar uma mulher à frente da propriedade, comandando tudo. Então tive que trocar a equipe. Enfrentei alguns desafios, inclusive, com o meu marido, porque como precisei ficar um tempo na cidade para cuidar dos filhos, quando retornei totalmente aos negócios ele ficou um pouco resistente a princípio. Mas fui retomando, contratei uma veterinária mulher e não teve jeito, com o tempo ele teve que aceitar”. 

Advogada, engenheira agrônoma e com mestrado em Zootecnia, Cynthia Gomide é natural de Brasília, mas cresceu em uma família de pecuaristas, com propriedades nos municípios de Cumari (GO) e Ouvidor (GO). Após o falecimento do pai, a produtora assumiu a fazenda São Sebastião, de Cumari. “Atualmente plantamos 100 hectares de grãos e silagem e temos 200 cabeças de gado para corte. E há dois anos iniciei a parte de inseminação artificial”.  

Tanto na área acadêmica, durante a graduação, como no período em que trabalhou na Embrapa, a pecuarista compartilha que a presença de mulheres ainda era muito pequena. “Mas quando entrei no mestrado, por exemplo, já havia mais mulheres, não somente na minha turma, mas também nas demais áreas”. 

Com uma história de muita perseverança e amor pelo que faz, a produtora inspira as mulheres da família. “Com o falecimento de alguns dos meus tios, minhas primas e tias vêm assumindo a liderança das propriedades, não estão deixando para os maridos, não. E elas me agradecem pela ajuda e inspiração, porque viram que são sim capazes de tocar os negócios”. 

“Diante de tudo isso, a gente vê que dá conta, é só não desanimar na primeira dificuldade. E eu já caí e me levantei em várias áreas da minha vida. Às vezes eu choro, outras dou risada, mas, no final, tento sempre tirar o melhor que posso das situações”, finaliza. 

Já no Sul do País, a inspiração vem com a história da Ana Doralina, produtora na Estância Bela Vista, localizada em Sant’Ana do Livramento (RS), sendo a 5ª geração da família a passar pela gestão. Formada em Medicina Veterinária, ela conta que nunca teve dúvidas de que seu caminho era no agro, na pecuária. “Quando íamos nas feiras com o meu pai, vendo toda aquela movimentação, tendo tantas experiências, eu dizia para mim mesma que era aquilo que eu queria viver por toda a vida”. 

Após passar um ano na Nova Zelândia, já depois da graduação, para se atualizar e se especializar, Ana retornou ao Brasil e começou a trabalhar na Associação Brasileira de Angus, logo em seu início. “E ali foi uma jornada totalmente diferente para mim, pois comecei a trabalhar dentro da indústria. Entrei como técnica de desossa, mas, junto com a expansão da Associação, fui mudando de cargo, passando para supervisora, depois coordenadora regional e, atualmente, gerente nacional”, compartilha. 

Apesar de ter conseguido ascender profissionalmente, a pecuarista relembra as dificuldades que passou na época. “No início, eu era a única mulher da equipe. Em vários momentos, o meu conhecimento foi colocado em xeque e tive que ir provando a minha capacidade”. 

Mesmo diante dessas situações, ela reforça que, nesses momentos, a forma de lidar de cada mulher faz toda a diferença. “Eu nunca levei isso para o lado particular, sendo algo com que eu me sentisse triste, desmotivada. Eu sabia que tinha conhecimento, capacidade. Eu fiz uma imersão quando comecei, por vários dias, e isso foi me trazendo ainda mais segurança. Percebo que, dentro de qualquer setor, parece que a mulher precisa sempre estar mais preparada que os homens”. 

Participante do GPB Rosa, Grupo Pecuária Brasil formado somente por mulheres ligadas direta ou indiretamente à pecuária, Ana explica que essa união entre as forças femininas do setor fazem toda a diferença no dia a dia e, aos poucos, no cenário nacional. “Nós mulheres temos mais facilidade de reconhecer aquilo que não sabemos e ir atrás de descobrir. Por isso, esse e outros grupos que participo são um meio muito bacana para tirarmos dúvidas, trocar sugestões e experiências, e nos conectarmos, fortalecendo esse laço como um todo dentro da pecuária, o que ainda é muito frágil”. 

Com uma bagagem tão cheia de histórias, ela finaliza dizendo que, mesmo que os dois filhos não queiram seguir dentro do agro, que eles ao menos saibam “o quanto eu e todas as gerações passadas da família temos orgulho de sermos produtores rurais. Me sinto imensamente grata e abençoada por produzir, cuidar, alimentar. Faz parte da nossa essência, do nosso DNA”.