Kátia Helena Fenner Rodrigues, uma produtora rural de São Joaquim/SC, é uma figura emblemática no cenário agrícola catarinense e nacional. Com uma propriedade familiar com mais de 100 anos de história, ela assume o papel de sucessora com orgulho e determinação.
Além de ser uma dedicada agricultora, Kátia também é uma entusiasta da participação feminina no agronegócio. E neste ano, além de participar do Encontro Nacional das Mulheres Cooperativistas (ENMCOOP 2024), que será realizado em Santa Catarina, ela está concorrendo no reality culinário “Prato Brasil, do Campo à Mesa”, que integra a programação do Congresso Nacional de Mulheres do Agro (CNMA 2024).
Sua jornada incluiu momentos desafiadores, desde lidar com a perda familiar até a conciliação da maternidade com o trabalho árduo no campo. No entanto, sua determinação e amor pela terra a impulsionaram a superar esses obstáculos e a se destacar como uma líder inspiradora em sua comunidade.
Participando ativamente de eventos do setor agrícola, como o Encontro Nacional das Mulheres Cooperativistas, Kátia busca não apenas compartilhar sua própria experiência, mas também incentivar outras mulheres a se envolverem e a fazerem ouvir suas vozes no campo.
Seu otimismo para o futuro do agronegócio é contagioso, refletindo sua convicção de que as mulheres têm um papel fundamental na construção de um mundo mais igualitário, sustentável e humano, onde a terra e seus habitantes são cuidados com respeito e dedicação.
Confira agora a entrevista realizada pelo Portal Sou Catarina com Kátia Helena Fenner Rodrigues!
Kátia, você poderia se apresentar para as leitoras do Portal Sou Catarina?
Sou Kátia Helena Fenner Rodrigues, tenho 46 anos e dois filhos: Pablo, com 30 anos (pessoa com síndrome de down) e João Victor, com 24 anos, cirurgião dentista. Moro em São Joaquim/SC, na localidade de Cruzeiro, zona rural, em minha propriedade. Sou produtora rural com muito orgulho, trabalhando e atuante. Sou bisneta e neta de tropeiros e produtores rurais, na parte da sucessão, isso é um legado que vem de geração em geração. Eu já sou a terceira geração e estou contribuindo para a quarta, isso não tem preço.
Poderia descrever como é a sua rotina de trabalho?
Minha rotina de trabalho começa diariamente antes do sol nascer, alimentando os animais do sítio, cuidando das rotinas da casa, de mãe e lida rural (colheita, plantio, animais, gestão da propriedade, etc)
Como é ser sucessora de uma propriedade com mais de 100 anos em atividades rurais?
Para mim é um orgulho e uma honra, muito mais que um legado. Eu fui preparada desde muito pequena para assumir esse cargo. Embora naquele tempo não se chamasse assim, meus antepassados viam o amor, o cuidado e zelo que sempre tive pelos animais e pela lida do sítio.
Sempre gostei de estar junto com os meus avós paternos, que me criaram até a idade da escola. Eles me levavam para o galpão de madrugada para tirar leite porque tinham receio de me deixar sozinha dentro de casa, e quando viam eu estava entre as baias com os terneirinhos e com um copinho pequeno esmaltado tentando tirar leite para mim tomar.
Meu pai (falecido) sempre me levava para as lidas de gado, às vezes faltava a escola porque ele sabia que eu adorava, e em tempos de plantação gostava de ir ver.
Quais são as principais atividades realizadas em sua propriedade?
Aqui plantamos batata, milho, feijão, temos pomar de maçã, gado para reposição e somos extrativistas de pinhão. Minha propriedade tem uma reserva imensa de araucárias, muitas centenárias, enormes.
Como foi o seu desenvolvimento para começar a participar de eventos do agronegócio?
Em 2019, conheci uma página nas redes, @ageomulher, e comecei a acompanhar. Depois, várias outras, muitas com grupos de whatsapp, e fui conhecendo muitas mulheres do agronegócio, produtoras como eu, outras gestoras, e fui sempre muito atuante. Conversava muito com várias, onde a gente ia se identificando, e assim, fiz muitas amigas de todos os cantos do nosso país e algumas até de outros países.
Eu sempre compartilhei eventos para mulheres do agro e nunca podia ir num desses grandiosos, porque são de valores altos, em outros estados, enfim. Um dia recebi um telefonema que me estremeceu as pernas, fiquei sem saber o que falar, só lembro que disse para a dona Luciana (@lucianamartins) diretora executiva do @gpoconecta, “eu sou pequena produtora”, como se ela tivesse se enganado ao me ligar. E assim fui convidada para ser uma das Comandantes do Encontro Nacional das Mulheres Cooperativistas (ENMCOOP 2023), que foi em alto mar, a bordo de um transatlântico!
Foi a primeira vez que uma mulher serrana representou seu estado em um evento com tal prestígio como esse. Nossa, fiquei muito emocionada e muito feliz, pois o @gpoconecta realizou um sonho meu de infância que era voar de avião. Participar do evento, é claro, me deu frio na barriga, mas fui (risos).
Agradeço imensamente, também, a Aline, do vale agrícola, que me acompanhou e me ajudou, pois eu nunca havia viajado de avião, não sabia como proceder em nada.
Quais as maiores dificuldades e as maiores alegrias em construir uma carreira em gestão no agronegócio?
Minha maior dificuldade foi no percurso do inventário. Lidar com a perda e com as diferenças na família, e começar a mudar algumas coisas não são muito simples, passei muitos perrengues. Minha alegria foi ter conseguido, ao longo do tempo, colocar a propriedade em dia, conciliar a maternidade com o que tenho paixão e amor em fazer, e poder mostrar o quão linda é nossa terra e nosso lugar.
Como você conciliou a maternidade com a gestão e o trabalho no campo?
Não é fácil você equilibrar tudo. Tive que, por muitas vezes, renunciar para suprir o que mais precisava. Tenho um filho especial, que necessitava de atendimento especial, por isso, muitas vezes me questionei se era o certo ficar aqui (eu moro no interior), onde não tem algumas das alternativas que a cidade tem. Mas sempre fui muito pela fé e pelo meu coração. E graças a eles, conseguimos equilibrar.
Lembro de muitas vezes sair correndo da roça para almoçar com eles e do meu filho mais novo esquentar a comida para eles quando chegavam da escola. Tivemos que diminuir o tamanho das roças para trazer mais próximas de casa, foi um malabarismo, mas conseguimos.
Você pretende participar dos eventos – Encontro Nacional das Mulheres Cooperativistas 2024 e Congresso Nacional de Mulheres do Agro?
Com certeza participarei, ainda mais esse ano que o ENMCOOP será aqui em Santa Catarina. Já aproveito para convidar todas as mulheres para que participem também, é um evento maravilhoso, feito com muito carinho para as mulheres.
O CNMA, esse ano vem com uma novidade, que é o Prato Brasil, do Campo à Mesa, um reality culinário onde fiz minha inscrição e estou na torcida para poder ser uma das escolhidas para levar os sabores da Serra Catarinense.
Qual a sua expectativa para participar de eventos relacionados à mulheres no Agro em 2024?
Os eventos em 2024 serão sucesso. Minha expectativa não é menos do que ver mais e mais mulheres participando e conhecendo. Aqui para o sul, muitas mulheres nem sabiam que existia esse tipo de evento. E faço minha parte para levar ao conhecimento e partilhar esses momentos. Estamos montando até grupos para poder nos organizar, somos muito atuantes. Tenho certeza que será sucesso absoluto
Você já sofreu algum tipo de preconceito pela sua atuação e liderança enquanto mulher no agro?
Preconceito acho que todas as mulheres já sofreram, sim, com certeza. Quando assumi a propriedade, tive muita dificuldade para negociar as vendas de produção por ser mulher. Tive episódios na roça com piadinhas e olhares porque estava conduzindo maquinário, em instituições financeiras e sindicais. Mas fui ganhando meu espaço.
Penso que não podemos nos abalar, temos que ser mais fortes e sim, se precisar, mostrar que temos garras de leoas.
Qual a sua expectativa em relação aos negócios e liderança feminina em 2024?
Minha expectativa é das melhores, nós somos mais da metade da população, já estamos em vários setores e atuações, estamos ganhando espaços e mostrando nossas capacidades. Sim, nascemos para ser donas de casa, de carros, caminhonetes, fazendas, donas do AGRO (risos).
Se nós unirmos nossas forças e levantar nossa bandeira, podemos fortalecer umas às outras, e criar políticas voltadas ao nosso setor. Contribuindo, assim, para um mundo mais diverso, mais igualitário, mais humano, mais cuidadoso com o meio ambiente e as boas práticas sustentáveis, pois nós mulheres somos os olhos e as mãos do amanhã!
Fotos: Arquivo Pessoal
Fonte: Sou Catarina